Por: Reginaldo Eugenio Ramos Teodoro
Shalom!
Hoje, vamos explorar a Parashat Behar, que se encontra no Sefer Vayikra 25:1-26:2. Esta
porção da Torá, é de apenas um capítulo (por sinal, este é um dos exemplos de divisões
capitulares que não favorecem a intencionalidade ou a continuidade textual). Um capítulo
único, mas que nos oferece uma visão profunda sobre os conceitos de justiça social, liberdade e sustentabilidade, temas que ressoam fortemente com os valores do Judaísmo Reformista. A Parashat Behar começa com a introdução dos anos sabáticos (Shmita) e do jubileu (Yovel): "Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Quando tiverdes entrado na terra que Eu vos dou, a terra guardará um sábado ao Senhor" (Vayikra 25:2).
No sétimo ano, a terra deve descansar, e no quinquagésimo ano, o Yovel, todas as propriedades retornam aos seus proprietários originais e os escravos hebreus são libertados.
Este ciclo é um lembrete poderoso de que a terra pertence a Deus e que somos apenas seus
guardiões temporários.
Tudo Vem do Eterno
A Parashat Behar nos chama a refletir que tudo vem do Eterno. Cada pedaço de terra, cada
moeda, é proveniente de uma única fonte: Deus. Somos apenas administradores temporários
dos recursos que nos são confiados. Este conceito é expresso claramente em Vayikra:
"A terra não será vendida em perpetuidade, porque a terra é Minha; pois vós sois estrangeiros e peregrinos comigo" (Vayikra 25:23).
Esta visão nos lembra que nosso papel é cuidar do mundo e de nossos semelhantes,
reconhecendo que tudo o que possuímos é apenas um empréstimo do Eterno. Este conceito é reforçado em outros textos do Tanakh, como em Devarim: "Ao fim de cada sete anos, farás remissão" (Devarim 15:1).
E em Isaías, onde encontramos a visão profética de justiça e liberdade: "Proclamai liberdade aos cativos e aos presos a abertura da prisão" (Yeshayahu 61:1).
O Talmud discute extensivamente os detalhes das leis de Shmita e Yovel. No Tratado Gittin 36a, os rabinos discutem as implicações econômicas e sociais dessas práticas, enfatizando a
importância de aliviar as dívidas e restaurar a dignidade humana: "A remissão das dívidas no ano sabático é um ato de misericórdia e justiça."
O Rabino W. Gunther Plaut, em seu comentário ao Chumash, observa que as leis de Shmita e
Yovel servem como um lembrete poderoso de que a propriedade última pertence a Deus e que a justiça social deve ser uma preocupação central da sociedade: "Estas leis destacam a importância de garantir que ninguém seja permanentemente empobrecido ou marginalizado. Elas nos chamam a criar um sistema onde a dignidade e a esperança são restauradas regularmente."
O Rabino Israel Salanter, em sua obra "Or Israel", enfatiza a importância ética dessas leis,
sublinhando que a verdadeira piedade envolve não apenas rituais religiosos, mas também a
preocupação com o bem-estar dos outros: "A verdadeira observância da Torá implica em cuidar dos necessitados e garantir que a justiça prevaleça em todas as esferas da vida. A Shmita e o Yovel são expressões de uma ética divina que nos chama a transcender nossas preocupações egoístas e trabalhar pelo bem comum."
O Judaísmo Reformista valoriza profundamente os princípios de justiça social e igualdade. A
Parashat Behar nos ensina que a justiça não é apenas uma questão individual, mas também
coletiva e estrutural. A prática de Shmita e Yovel nos chama a refletir sobre as desigualdades
em nossa sociedade e a buscar formas de corrigir essas injustiças. O Rabino Abraham Joshua
Heschel, uma figura proeminente no movimento Reformista, escreve em "Deus em Busca do
Homem": "A essência do profetismo é a preocupação pela justiça... a preocupação com o destino do homem."
É importante notar que os princípios de Shmita e Yovel não se alinham necessariamente com
visões político-partidárias atuais. Eles não estão intrinsecamente ligados a comunismo, socialismo, liberalismo ou capitalismo. Em vez disso, vão além dessas ideologias, promovendo uma ética de cuidado com o próximo e responsabilidade comunitária que transcende categorias políticas modernas.
Pontos a Favor
1. Justiça Econômica: A remissão de dívidas e a redistribuição de terras ajudam a evitar a
acumulação excessiva de riqueza e poder nas mãos de poucos.
2. Sustentabilidade Ambiental: O descanso da terra a cada sete anos promove práticas
agrícolas sustentáveis.
3. Liberdade e Dignidade Humana: A libertação dos escravos hebreus no ano do jubileu
reforça a dignidade e a liberdade de cada indivíduo.
Pontos Contra
1. Desafios Práticos: Implementar essas práticas pode ser logisticamente desafiador no
mundo moderno, onde a economia é muito mais complexa e globalizada.
2. Interferência na Propriedade Privada: A redistribuição de terras pode ser vista como uma
interferência nos direitos de propriedade privada.
3. Equilíbrio Econômico: A remissão de dívidas pode afetar a estabilidade econômica e a
confiança dos credores.
Tzedek צדֶֶק
A midá da justiça social, ou tzedek em hebraico, é um princípio central no judaísmo que reflete o compromisso com a equidade, a retidão e o bem-estar de toda a comunidade. A justiça social no judaísmo não é apenas um conceito ético ou moral, mas um mandamento divino, profundamente enraizado na Torá e nos textos rabínicos. Esta midá abrange diversos aspectos da vida, desde o tratamento justo dos trabalhadores até a assistência aos pobres e
marginalizados. Para refletir: Devarim 16:20 (Tzedek, tzedek tirdof); Vayikra 19:15; Yeshayahu
1:17.
Pirkei Avot
1:18: "O mundo se sustenta sobre três coisas: sobre a justiça, sobre a verdade e sobre a
paz." Este ensinamento mostra que a justiça é um dos pilares fundamentais que sustentam o
mundo.
Baba Batra
9a: "Maior é aquele que faz tzedaká do que aquele que oferece todos os sacrifícios." Este
texto sugere que a justiça social é ato supremo de devoção a Deus. Embora tzedaká seja
frequentemente traduzida como caridade, ela se refere mais precisamente à justiça. Envolve a obrigação de ajudar aqueles em necessidade, não como um ato de benevolência, mas como uma responsabilidade moral e religiosa.
Conclusão
A Parashat Behar nos desafia a viver de acordo com os valores de liberdade, justiça e
sustentabilidade. É mais um chamado para “reavaliar”, como diz nosso rabino Jacques
Cukierkorn, em Judaísmo Acessível, “nossas prioridades e alinhar nossas ações com os
princípios divinos de equidade e cuidado com a Terra”.
Talvez um dos textos mais emblemáticos seja do livro historicamente com registros linguísticos mais antigos, o livro de Amós ( עָמוֹס ), que, no capítulo 5:24, discorre liricamente sobre o tema:
"ויְגִַּל כּמַּיַםִ מִשְׁפָּט וּצְדָקָה כּנְחַַל אֵיתָן"
"Corra, porém, a justiça como as águas, e a retidão como um ribeiro perene."
Que possamos, em nossa prática diária, honrar esses valores e trabalhar para um mundo mais justo e compassivo, inspirados pelos ensinamentos atemporais de nossa tradição, indo além das ideologias políticas modernas e focando na essência do cuidado comunitário e da justiça social. Ainda, cotando nosso rabino Cukierkorn, que possamos lembrar que “tudo o que possuímos é apenas um empréstimo do Eterno”, e que nossa responsabilidade é cuidar
uns dos outros e do mundo que Deus nos confiou.
Shalom aleikhem!
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